por Claudio de Mora Castro
A Revolução Russa propôs-se a criar o "paraíso socialista", cujo cardápio foi parido por intelectuais europeus. Na teoria, todos tinham direito a habitação, emprego, comida, escola e ópera. Mas a dieta era parca e o povão queria consumir mais. Daí a necessidade do que Churchill chamou de Cortina de Ferro, para não deixar que os russos bisbilhotassem o que consumia o mundo capitalista decadente. Para os xeretas, punições ferozes. Mas os seus líderes cometeram um erro, criaram também um estupendo sistema educativo para todos. Foi uma besteira, pois não houve maneiras de impedir um povo educado de ver o que acontecia do lado de fora. O resultado foi a estrepitosa queda do Muro de Berlim.
Os governantes brasileiros fizeram muito melhor. Abriram tudo, viaja-se à vontade. Mas não cometeram o erro dos russos. A garantia de isolamento do país está em uma educação de péssima qualidade e a conta-gotas. Assim nasceu uma Cortina de Burrice, muito mais eficaz, pois somos um país isolado do resto do mundo. Os que se aventuram ao exterior vão à Disneylândia, um mero parque de diversões, ou a Miami, uma sucursal do Brasil.
Há pouco, em uma universidade de elite, pedi que levantassem as mãos os que confortavelmente liam inglês. Não vi nem um quinto das mãos do auditório. Eis a Cortina de Burrice em ação! Na Europa, a mesma pergunta levantaria todas as mãos. Os europeus passaram do bilinguismo para o trilinguismo. Na Islândia, são quatro idiomas. E o nosso controlador de voo que não sabia inglês!
Nossas universidades estão fora das listas das melhores, resultado da Cortina de Burrice, pois perdem pontos nos quesitos de internacionalização. Nas europeias, muitos cursos são oferecidos em inglês. Conheci um sueco que fez seu doutorado em Estocolmo, há quatro décadas. Quando entregou o primeiro trabalho, no seu idioma, foi interpelado pelo professor: "O senhor não terá futuro acadêmico, se continuar a escrever nesta língua!". Visitei a fábrica Seiko (japonesa) na China. A língua oficial era o inglês. O mesmo em Toulouse, na fábrica do Airbus.
O resultado do nosso isolamento é uma indústria provinciana que não toma conhecimento dos avanços alhures. Há esforços heroicos, como uma construtora brasileira que comprou uma empresa no Canadá, para mandar estagiar seus engenheiros. Assim veriam como se constrói lá. Mas é a exceção.
Ao lermos as descrições feitas por viajantes estrangeiros que passaram pelo Brasil, constatamos o primitivismo da nossa sociedade. Se a corte permanecia tosca, o interiorzão estava ainda mais distante do progresso social acumulado pela Europa, em 2 000 anos. Progredimos muito desde então. Mas as cicatrizes do atraso estão por todos os lados. Limitemo-nos a olhar os valores que a civilização ocidental amadureceu, em meio a guerras, perseguições e sangue. O que pode aprender um jovem que vai ao Primeiro Mundo, a fim de conviver com o povo, não com o guia nem com o motorista do ônibus do pacote turístico? Vejamos:
• O valor do futuro, de pensar no amanhã, ao invés do hoje (a essência da sustentabilidade do meio ambiente).
• O sentido de economia, de não esbanjar, de não se exibir, à custa do magro orçamento.
• O hábito automático de cumprir o prometido (um amigo tenista, no Rio, não encontrou os parceiros combinados para o dia seguinte. Em Washington, estavam lá para o compromisso combinado três semanas antes).
• Trabalho manual não é humilhante. Usar as mãos educa.
• Cumprir a lei, branda ou dura. Uma vez aprovada, é para valer.
• Respeito pelo próximo, no trânsito, no silêncio e em tudo o mais.
• Segurança pessoal (deixar o carro em um ermo e encontrá-lo ileso, no dia seguinte).
• Quem vigia tudo é a sociedade, mais do que a polícia.
• Profissionalismo. Há uma maneira melhor de fazer as coisas. O profissional a conhece e a aplica.
Desdenhamos tal herança e macaqueamos hábitos cretinos e modas tolas. Agora temos "delivery" de pizza e "sales" com preços imperdíveis. Importamos o crack, as tatuagens, o Big Brother e, de repente, saímos todos com uma garrafa de água mineral na mão, para socorrer uma súbita e fatal crise de sede, no quarteirão seguinte. Pelo menos as senhoras elegantes do Rio já não usam mais casacos de pele nas recepções.
* Claudio de Moura Castro é economista
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