10 de fevereiro de 2011

O mito do amor materno

                                                                                                                                        por: Eliana Riberti Nazareth


Em “Um amor conquistado – o mito do amor materno”, Elizabeth Badinter nos mostra de maneira muito clara que o amor materno inato é um mito. Não é “dado”, mas sim, como deixa antever o título da obra, “conquistado”.

Porém, acreditamos em nosso imaginário que tal amor seja algo natural. Algo que nasce com as mulheres, verdadeiro apanágio feminino. Fala-se até de “instinto materno”. E coitadas daquelas que não o têm! Sofrem certo preconceito, pois falta-lhes qualquer coisa de fundamental!

Essa convicção se dá basicamente por duas razões.
A primeira é devido à imposição feita pela cultura, responsável pelo desenvolvimento do modelo de amor materno conhecido atualmente e com o qual temos convivido desde o século XIX.
A segunda, em uma relação de causalidade circular com a anterior, deve-se à necessidade de se idealizar a relação mãe-filho, idealização que obedece ao desejo de união perfeita, fantasia de completude que protege o indivíduo das ansiedades e medos mais primitivos de separação, abandono e perda.

Desse modo, a mãe é concebida como alguém puro a quem são atribuídos apenas sentimentos nobres de acolhimento, abrigo e continência no que diz respeito a sua cria. A criança é vista como um ser que se satisfaz total e plenamente com uma relação funcional com ela satisfazendo-a do mesmo modo. (Um exemplo do valor dado à tão sonhada relação, são as expressões artísticas cristãs que retratam sempre a Madona olhando o Menino Jesus com enlevo e este, por sua vez, retribuindo com adoração).

O caráter ambivalente e contraditório desse modelo de vínculo que reúne sentimentos de aprisionamento e possibilidade de individuação será enfrentado só bem mais tarde na vida, com a entrada do terceiro na relação diádica composta por mãe e filho, cujo primeiro representante e protótipo para os demais é o pai.

Contudo, o amor materno como o conhecemos atualmente, é aquisição bem recente. Os estudos trazidos por Badinter nos fazem ver que nem sempre foi assim. A mãe tinha mais uma função biológica que afetiva, ficando as crianças ao cargo de amas-de-leite que lhes garantiam a sobrevivência física, o suporte emocional e humanização.

A crença do amor materno instintivo, imaculado e incondicional terá importantes conseqüências no exercício da convivência entre pais e filhos, na visão de guarda e na dificuldade que se observa quando se apresentam modificações nos parâmetros de convívio estabelecidos como “naturais e corretos”, como veremos mais adiante.

Todo afeto para se dar precisa de proximidade física e emocional. Deve ser conquistado com e na convivência. É na intimidade das relações construídas no cotidiano que germina, cresce e frutifica.
E o amor materno não foge a essa regra. Não é decorrente, como se crê, da ação de algum instinto. É afeição que, como qualquer outra, necessita de reciprocidade desenvolvida em um relacionamento estreito e contínuo que assegure confiança e familiaridade aos que dele se nutrem.

Se o amor não é dado, não está garantido de antemão, não é fruto de geração espontânea, mas ao contrário, demanda empenho, cuidado e investimento dos que integram uma relação amorosa qualquer que seja ela – entre mãe e filho, entre amantes, ou entre amigos –, por qual motivo vê-se ainda com tantas reservas a atribuição da guarda dos filhos ao pai quando de uma separação conjugal? Talvez devido ao preconceito, medo de contrariar a prática usual, ou mesmo desinformação...
As noções que temos de como as funções e papéis sociais devam ser exercidos é resultado do que Pichón-Rivière (1985) denominou de representação da norma social designada. “[...] um imaginário social dado por idéias, imagens e estereótipos, isto é, representações simbólicas compartilhadas [...] com certa homogeneidade pelas pessoas da época histórica de que se trata”.

Devido à ação desses núcleos de significados imaginários que funcionam como lentes ou crivos de decodificação de comportamentos, alterar a visão de mundo e dos valores sobre os quais assentam as experiências, demanda um tremendo esforço e provoca desconforto não só naqueles que ousam mudar, mas também nos que os cercam.

Esse legado inconsciente e o mito do amor materno são em grande parte responsáveis por um lado, pelas mães que “deixam” a guarda para o pai, ou perdem a guarda sentirem-se, ou serem vistas como mães incompetentes, abandonantes e más e, por outro, os pais que reclamam a guarda, ou a “tiram” das mães sentirem-se, ou serem vistos como indivíduos cruéis e desumanos.

Ora, os atributos de afeto antes referidos não são prerrogativas do amor materno. Não estão adstritos a ele.
O amor paterno também é semeado, alimentado e aprendido no trato diário com os filhos. Nas oscilações da convivência, em meio à ambivalência, é construído e sustentado. Nada difere em possibilidade, da magnitude do amor materno.
Considerar que ambos os “amores” sejam conquistados, portanto legítimos e de igual qualidade não equivale a dizer que não haja diferenças entre eles. Afeto e função maternos e paternos têm suas especificidades por mais difícil que seja estabelecer distinções atualmente.

O que a criança precisa é de quem a olhe e veja como alguém de importância emocional, para nessa mirada poder reconhecer-se como alguém merecedor de amor e “amável”.
A cultura tem protegido as mulheres dando-lhes apoio, guarnecendo-as de modelos e ensinando-as a ser mães. O mesmo não tem se dado em relação ao pai. Abastecê-lo de modelos de paternidade próxima e emocionalmente responsável é desafio para todos nós, homens e mulheres.



Abraços...

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